Corte bloqueou R$ 6 bilhões do programa por suspeita de irregularidades; assunto foi tema de reunião nessa segunda
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta terça-feira (11) que o governo federal está disposto a ouvir os apontamentos técnicos feitos pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o Pé-de-Meia. A Corte bloqueou, no mês passado, R$ 6 bilhões do orçamento do programa, por suspeita de irregularidades. A AGU recorreu da decisão no mesmo dia e destacou o risco de a política educacional ser interrompida sem os recursos. Haddad reuniu-se com o ministro Augusto Nardes, relator do caso no TCU, nessa segunda (10) para discutir o assunto.
“Nós apresentamos nosso argumento sobre a validade da lei, aprovada quase por unanimidade no Congresso, mas estamos dispostos a ouvir os técnicos e ministros para adequar, se for necessário. Mas há uma lei aprovada, que está sendo cumprida”, destacou o ministro a jornalistas, ao se referir à legislação do programa, sancionada em janeiro do ano passado.
O Pé-de-Meia, iniciado em março do ano passado, pretende combater a evasão escolar no ensino médio por meio da concessão de bolsa a estudantes de baixa renda. Atualmente, a política atende 3,9 milhões de alunos, segundo o MEC (Ministério da Educação). Os R$ 6 bilhões bloqueados não são os recursos totais do programa (leia mais abaixo).
Busca por solução
Depois da reunião com o ministro Augusto Nardes, Haddad declarou que o governo busca atender a área técnica do TCU e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade do programa. O ministro afirmou que levou uma “série de considerações” ao relator no TCU, como o quadro orçamentário de 2025 e 2026 e a “legalidade” do programa, aprovado pelo Congresso Nacional.
Haddad informou que Nardes vai avaliar as considerações da Fazenda e dar “oportunamente” uma devolutiva. “A gente leva para ele o quadro do orçamento de 2025, o quadro do orçamento de 2026, o que está previsto esse ano, o que poderá ser previsto o ano que vem, o desejo de acertar o passo com o tribunal, mas, ao mesmo tempo, a legalidade do programa, em vista da alta aprovação que ele teve no Congresso Nacional”, observou. O plenário do TCU pode analisar nesta semana o recurso da AGU que pede o desbloqueio das verbas. Nardes também já se reuniu com os ministros Camilo Santana (Educação) e Jorge Messias (AGU) para tentar resolver o dilema em torno do bloqueio.
Programa não será suspenso
Um dia após o bloqueio das verbas, Haddad garantiu que o Pé-de-Meia não será suspenso. “Não vai haver descontinuidade, isso eu posso garantir. Todo encaminhamento que demos nas medidas no ano passado foi para orçar o Pé-de-Meia na forma que entendemos adequada, que é a mesma que o TCU considera a mais adequada. Então, está pacificada essa situação em relação a como deve ser procedido do ponto de vista da orçamentação do programa”, declarou, à época.
Entenda
Em 22 de janeiro, o plenário do TCU confirmou, por unanimidade, decisão do relator do caso, Augusto Nardes, dada na semana anterior. A determinação foi motivada por uma análise da área técnica do Tribunal. Em dezembro, a Secretaria de Controle Externo de Contas Públicas recomendou o bloqueio do valor, em medida cautelar.
A sugestão foi baseada em indícios de supostas irregularidades no financiamento da política, após representação feita pelo MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União).
O recurso da AGU, feito depois da confirmação do Plenário, pede, em medida cautelar, a suspensão imediata do bloqueio e, no mérito, solicita a reversão da decisão. A advocacia-geral nega haver irregularidades no programa e afirma que, sem os valores, haverá “transtornos irreparáveis ao programa e aos estudantes”.
Se a Corte mantiver a decisão, a AGU pede que a suspensão ocorra apenas em 2026, com prazo de 120 dias para o governo federal propor um plano de cumprimento da determinação sem risco de o programa ser prejudicado.
Motivos para o bloqueio
Os R$ 6 bilhões bloqueados são do FGO (Fundo Garantidor de Operações) e do Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo). Os recursos abastecem o Fipem (Fundo de Custeio da Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio), um fundo privado criado para custear o Pé-de-Meia.
Quando analisou o caso, a área técnica do TCU afirmou que o corte de R$ 6 bilhões não interromperia a política de imediato, embora pudesse comprometer o funcionamento futuro. Segundo o tribunal, o Fipem tem em caixa cerca de R$ 7,8 bilhões — o custo total do Pé-de-Meia para 2024 foi de aproximadamente R$ 795 milhões, incluídos “o pagamento mensal do incentivo, a taxa de administração e a tarifa do agente financeiro”.
O argumento para autorizar o bloqueio está no abastecimento do Fipem. Por ser feito pelo FGO e Fgeduc, ocorre sem autorização orçamentária, já que os fundos privados não constam no Orçamento da União nem passam pelo Tesouro Nacional.
A prática pode interferir em questões orçamentárias e financeiras da União, além de colocar em risco a rastreabilidade e a transparência dos valores.
O TCU alega que o aporte de R$ 6 bilhões não estava previsto no Orçamento de 2024 e, portanto, teria sido feito “à margem das regras fiscais vigentes”, como o novo arcabouço fiscal e a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O que dizem o MEC e a AGU
Em dezembro, quando a área técnica defendeu o bloqueio, o Ministério da Educação informou ao R7 que “todos os aportes feitos para o programa foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes. O governo prestou os esclarecimentos preliminares que foram solicitados pelo TCU e, tempestivamente, irá complementar informações”.
No processo, em resposta à área técnica do TCU, a AGU alegou que o Fipem é um fundo privado e que, portanto, não pode ser incluído na contagem das contas públicas. A advocacia-geral defendeu a tese de que recursos privados não passam a ser públicos apenas por serem aplicados em políticas públicas.
A AGU também argumentou que a União é apenas um dos participantes do Fipem — “há cotistas além da União atualmente, e a lei prevê a possibilidade de expansão deste quadro de cotistas”. “Arrastar o patrimônio privado de um fundo e de seus cotistas para o seio do orçamento da União é violar os alicerces da Constituição e perpetrar um confisco que não apenas afronta a legalidade, mas aniquila a legítima autonomia do que é privado”, acrescentou.
O órgão apresentou, ainda, a possibilidade desse entendimento influenciar o modelo atual de outras políticas públicas.
Crédito: Ana Isabel Mansur, do R7
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil – 11.2.2025