“Bebê reborn não exige afetividade real”, explica psicóloga perinatal do Hmib

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A onda dos bebês reborn, bonecas que reproduzem com perfeição os traços de recém-nascidos reais, foi um dos temas do CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília. Às jornalistas Carmen Souza e Paloma Oliveto, a psicóloga perinatal do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) Alessandra Arrais comentou também sobre o Maio Furta-Cor, campanha que visa sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna.

Como podemos avaliar esse fenômeno reborn?

Embora seja um tema atual, os bonecos reborn existem desde a década de 1990. O que vemos agora é um novo boom, que se conecta ao avanço da inteligência artificial e à forma como as pessoas se relacionam com ela. O reborn não exige envolvimento afetivo real: você não precisa negociar, educar ou lidar com frustrações. É mais fácil do que cuidar de um bebê de verdade. Muitas pessoas hoje evitam o esforço de construir vínculos, lidar com conflitos e persistir nas relações. Nesse contexto, o reborn se encaixa perfeitamente. Ele deixou de ser apenas um objeto de colecionadores e passou a representar um tipo de investimento emocional de via única, sem retorno ou exigência. Arrisco dizer que, para quem não está disposto a enfrentar as responsabilidades da maternidade, talvez seja mesmo melhor ficar com o reborn. É preferível a ter um filho e não conseguir cuidar dele.

Existe o lado terapêutico?

Sim, o reborn pode ter uma função terapêutica em situações específicas. Eles são usados, por exemplo, no tratamento de pessoas com Alzheimer e no processo de luto perinatal. Algumas mulheres têm dificuldade de expressar sentimentos, e o boneco pode ajudar nesse processo como um objeto transicional, que auxilia na simbolização da perda. O problema começa quando o reborn ocupa o lugar do bebê real. Ele passa a ter uma função reparadora e, em alguns casos, a pessoa perde a noção da realidade, tratando o boneco como se fosse o próprio filho — muitas vezes, um filho cuja perda nem foi reconhecida. Isso pode ser um tipo de delírio e precisa ser acompanhado profissionalmente, dentro de um contexto terapêutico. Não se trata simplesmente de dar um boneco para alguém que perdeu um bebê. O reborn pode ser um facilitador, desde que usado como instrumento terapêutico. Ter um boneco reborn não é, necessariamente, sinal de adoecimento psíquico. É importante olhar para cada caso com acolhimento, não com julgamento. Cada pessoa tem sua história e suas necessidades.

E a campanha Maio Furta-Cor traz esse olhar…

É uma campanha nacional de sensibilização. Saúde mental materna importa. A gente quer mostrar à população que a maternidade não tem uma cor só. Ela tem vários tons que oscilam, e isso é normal. Você vai ter um dia roxo, um dia amarelo, um dia rosa. Tem dia que a gente está animada, iluminada. Tem dia que estamos cansadas, tristes. Esses tons se misturam, como acontece com qualquer pessoa. Não é porque virei mãe que tudo vai ser de uma cor só.

Agora, existem tons de alerta. A estimativa é que 25% das mulheres tenham depressão pós-parto. E quando é que essa cor precisa de mais atenção?

Quando ela deixa de oscilar. Se, por pelo menos 15 dias, a mulher permanece em um estado só mais cinza, mais marrom, sem variações  isso acende um sinal de alerta. E isso vale tanto para o pós-parto quanto para a gestação. Quinze dias é um tempo médio para suspeitar, para pensar na possibilidade de depressão pós-parto, depressão gestacional ou ansiedade. Não são só as emoções negativas que indicam algo errado. Se a puérpera, no terceiro dia após o parto, está limpando a casa toda, não para, não dorme, compra tudo… isso também não é normal. Pode ser um estado de euforia exagerado, que também precisa de atenção.

Qual a importância dos cuidados do dia a dia no pós-gestação?

A nossa população precisa se educar mais e cuidar da qualidade da rede de apoio. A rede de apoio é um fator de proteção fortíssimo. O apoio do companheiro ou da companheira também. Esses são os principais fatores de proteção contra o adoecimento psíquico no pós-parto. Mas não é qualquer rede de apoio. Muitas vezes, no Brasil, ela é invasiva. As pessoas visitam o bebê na maternidade, esperam ser servidas e esquecem que a mãe também precisa de cuidado. Às vezes, até a própria família age assim.  Pergunte: “Você quer que eu te ajude?”. 

*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti

Por José Albuquerque do Correio Braziliense

Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense

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